Logo após o fuzilamento do brasileiro Marco Archer na Indonésia, em 17 de janeiro, a “justiceira” Rachel Sheherazade fez mais um dos seus comentários asquerosos. Na rádio Jovem Pan – já batizada de “rádio Ku Klus Pan”, por juntar tantos fascistóides –, ela aplaudiu a pena de morte, criticou a presidenta Dilma e as entidades de direitos humanos e ainda elogiou o governo indonésio. Para ela, uma sumidade em política externa, o país é um exemplo a ser seguido. “Ao contrário do Brasil, principal rota de cocaína na América do Sul e cujas fronteiras dão boas vindas a traficantes de todas as partes, a Indonésia se esforça ao máximo para extirpar o tráfico de suas ilhas”.
Para Rachel Sheherazade, que já defendeu na telinha do SBT um grupo de marginais da classe média que acorrentou um jovem negro a um poste no Rio de Janeiro, o presidente Joko Widodo está certíssimo. Ele deve cumprir com rigor as leis do país e não deve dar ouvidos aos “movimentos ‘ditos’ humanitários” contrários à pena de morte e nem às críticas da presidenta brasileira. “Se preso no Brasil, [Archer] seria acolhido pela condescendência do nosso Código Penal. Mas, deu azar de ser flagrado num país sério, onde a Justiça dá o exemplo: aqui se faz, aqui se paga”, rosnou a jornalista, que se diz evangélica, mas parece vibrar com as mortes.
Já que detesta o Brasil e adora a Indonésia, “um país sério, onde a Justiça dá exemplo”, a histérica jornalista bem que poderia se mudar para lá amanhã mesmo. Dá até para lançar um movimento nas redes sociais: “Vai pra Indonésia, Sheherazade”! Antes disso, porém, ela deveria assistir ao documentário “O ato de matar”, do cineasta dinamarquês Joshua Oppenheimer, que ganhou 35 prêmios internacionais e concorreu ao Oscar em 2014. O filme mostra como a barbárie ainda impera na Indonésia, mesmo após o fim da ditadura do general Hadji Mohamed Suharto, responsável pelo assassinato de mais de 500 mil opositores, acusados de “comunistas”, na década de 1960.
Os carrascos daquele período nunca foram julgados e até hoje são protegidos pelos governos – inclusive o de Joko Widodo. Muitos deles integram grupos paramilitares, como o Permuda Pancasila, e promovem festas com a participação das autoridades. Os assassinos são considerados “justiceiros” pela truculenta elite local – bem ao gosto de Rachel Sheherazade. O filme “O ato de matar” foi proibido no país, alerta Kiko Nogueira, do blog Diário do Centro do Mundo. “Isto não é apropriado, é sem cabimento. Deve ser lembrado que a Indonésia passou por uma reforma. Muitas coisas mudaram. A percepção das pessoas não devia ser tão influenciada por apenas um filme”, declarou um porta-voz do governo. Mas a Sheherazade ainda pode adquiri-lo numa locadora no Brasil – este país tão insuportável!
A “justiceira” do SBT e da rádio “Ku Klus Pan” também poderia aproveitar a longa viagem para ler um texto de Ana Becker, reproduzido nesta sexta-feira (23) pelo Jornal GGN.
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Você acha a Indonésia um exemplo para o Brasil porque executou um traficante? Pense de novo!
Por Ana Becker
Do Medium Brasil
Sabe o que eu achei mais engraçado nessas discussões que rolaram com pessoas se colocando como verdadeiros ‘especialistas’ em Indonésia no caso do brasileiro executado por tráfico de drogas? O aplauso à correção e ao cumprimento das leis naquele país. Eu morei na Indonésia, e o pouco que eu sei e aprendi por lá é suficiente para achar essa ideia absurda.
“A Indonésia sim que é um modelo de correção e cumprimento às leis. Lá os criminosos não ficam impunes.” ─ Frase repetida milhares de vezes nos últimos dias por conta do fuzilamento de Marcelo Archer.
É mesmo?
Em uma das minhas entradas no país tive que dar meu telefone para o agente da imigração, que ameaçou retê-lo caso eu não liberasse o número. Vários amigos tiveram bolsas abertas na salinha da imigração. “Ah, brasileiro? Meu filho adora futebol. Vai gostar muito dessa camiseta do Ronaldo”. Pegavam, numa boa, e saíam fora. São muitas as histórias.
A corrupção é tão institucionalizada que, quando tu tá por lá, tu enxerga ela todos os dias. To-dos.
Diversas vezes me aconselharam a sair de casa com uma quantia mais significativa de dinheiro pra “caso a polícia encrencar contigo”. E aí tem gente aplaudindo a Indonésia como um país ‘que cumpre as leis e mostra como é que é quando alguém não as cumpre’.
Tentei muito sem sucesso expor esse ponto de vista em uma discussão nesse fim de semana. A lei sobreposta à vida dessa forma, sem questionamento, sem crítica, soberana apenas por ser lei acaba legitimando qualquer loucura - desde que seja proveniente de um legislador. “É lei”. Sim, é lei e é ótimo que as leis sejam cumpridas, mas tem tanta coisa ruim que se pode fazer dentro da lei…
Me disseram, também, que “as leis de um país refletem a cultura daquele país e a vontade das pessoas”.
Não sei o que é mais ingênuo: realmente acreditar que as leis refletem a vontade do povo ou crer que elas estão acima do bem e do mal pelo simples fato de serem leis.
Quando eu morava na Malásia, um morador do meu prédio me quis presa. O motivo: um amigo meu me encontrou no saguão. Ele chorava, desesperado, com um problema pessoal. Eu abracei o guri pra consolá-lo. Um abraço, e o cara me queria na cadeia. As leis, as interpretações das pessoas, os absurdos.
Que mal eu causei com um abraço? Feri a moral & os bons costumes de uma sociedade majoritariamente muçulmana que acredita que isso possa ser uma afronta social.
Sem falar no fato de que ser homossexual é crime em alguns países e, por isso, se eu sou gay e tenho fascinação pelo Oriente Médio, que eu passe a vida sem conhecê-lo, porque, bueno, gosto de meninas? Você acha que gays devem levar chibatadas pelo fato de serem gays? Não faz nem um pouco de sentido.
Minha intenção aqui é só agregar uma única coisa ao debate: não, a Indonésia não é nenhum tipo de exemplo de correção (e mesmo se fosse, isso não faria com que as leis de lá fossem inabaláveis pelo simples fato de serem leis).
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