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7 de dezembro de 2011

Comentário ao post "Como interesses empresariais limitam a arte" - II

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Vou aproveitar a deixa para apontar uma realidade curiosa que pode ser notada a partir deste fato envolvendo OI e uma artista: a liberdade absoluta que os brasileiros defendem com unhas e dentes  para os jornalistas, negam-na para os artistas. Será que os artistas não podem criar nem mesmo no espaço dos consultórios médicos onde, por conta da garantia do sigilo médico, reina a liberdade de expressão? Como se sabe, os artistas lidam com o simulacro, ao contrário dos jornalistas, cuja matéria-prima são os fatos a serem noticiados. No entanto o mundo paralelo do parajornalismo começa aqui, com a escolha da pauta, onde se decide sobre aquilo que pode e não pode ser noticiado, claro, tendo em vista os interesses do grupo que manda na mídia e que, é claro, é a elite econômica. Ao mesmo tempo em que a  elite econômica dá toda a liberdade aos jornalistas, censura os artistas ao boicotar obras das quais não gosta, como se vê neste episódio envolvendo a OI e uma artista.  A seguir, posts sobre um outro caso exemplar de limitação à arte, e também sobre o econômico no Brasil a la 1% x 99% Ocuppy All Street. Ao final, um artigo de Wilson Ferreira, que remete ao mundo paralelo do jornalismo:
Ensaio fotográfico crítico à pedofilia exibe crianças nuas e causa polêmica na Colômbia

Um ensaio do fotógrafo colombiano Mauricio Vélez criou polêmica ao exibir menores de idade nus ao lado de homens vestidos com batinas de padres e bispos, em uma crítica aos casos de pedofilia envolvendo a Igreja Católica.
As fotos, publicadas na revista Soho, fizeram a Procuradoria Geral da Colômbia abrir uma investigação contra a revista, alegando que as imagens vão contra a proteção dos direitos fundamentais dos menores, previstos pela Constituição da Colômbia.
Foto da série "Metade anjos, metade demônios", exposta em Medellín
"Isso representa uma violação do dever de responsabilidade que cabe à revista Soho para com os meninos, meninas e adolescentes, e exige responsabilidade da família, da sociedade e do Estado de os proteger integralmente. Neste caso, a publicação pode ter violado o Código da Infância", diz o comunicado da Procuradoria.
Foto da série "Metade anjos, metade demônios", exposta em Medellín
O código impõe aos meios de comunicação o dever de "absterem-se de realizar transmissões ou publicações que estimulem a integridade moral, psíquica ou física de menores de idade, que incitem a violência, que façam apologia a delitos, ou que contenham descrições pornográficas".
Em entrevista ao jornal colombiano El Tiempo, o diretor da Soho, Daniel Samper Ospina, criticou os argumentos da Procuradoria e garantiu que sua publicação não faz apologia à pedofilia. "É o contrário. Arte é denunciar. Essas fotos não produzem pensamentos errados, e sim os critica", disse.
Foto da série "Metade anjos, metade demônios", exposta em Medellín
Ospina disse ainda que gostaria de ver uma reação tão enfática contra os clérigos pedófilos e não contra aqueles que tentam denunciar os casos de pedofilia na Igreja Católica. "Violam as leis aqueles que se escondem atrás de uma batina para abusar de crianças, não as obras que denunciam esta realidade", afirmou.
Foto da série "Metade anjos, metade demônios", exposta em Medellín
O diretor da publicação esclareceu também que as fotos foram produzidas por Vélez e não pela revista, que as reproduziu por acreditar que o conteúdo tem "valor estético e de denúncia". As imagens fazem parte da exposição "Metade anjos, metade demônios", que atualmente está exposta em Medellín.
Thaís Romanelli
By: Opera Mundi e SoHo
http://contextolivre.blogspot.com/2011/04/ensaio-fotografico-critico-pedofilia.html

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México anula última lei federal que penalizava crimes de calúnia e difamação

O Senado mexicano aprovou a despenalização dos crimes contra a honra - difamação, calúnia e injúria - na Lei sobre Crimes de Imprensa, segundo informações do jornal El Universal de 29 de novembro. Há quatro anos, México se tornou o segundo país da América Latina a eliminar os crimes contra a honra, depois de El Salvador, informou Newswatch.

Em abril de 2007, entrou em vigor a despenalização de crimes como calúnia, difamação e injúria do Código Federal, mas ainda vigorava a Lei de Imprensa de 1917, cujo texto também criminalizava a difamação e a calúnia, de acordo com a organização Artigo 19. Outros 16 estados mexicanos mantêm vigentes penas de prisão contra estes delitos em seus códigos penais, segundo Milenio. A Ciudad de México foi a primeira a suprimir as penas para delitos contra a honra, em 2006, e os mais recentes foram Veracruz, em 2010, e Puebla, em 2011.

Na semana passada, a Suprema Corte de Justiça do México concluiu um julgamento de sete anos em que o jornal mexicano La Jornada acusava uma revista de prejudicar sua reputação. O tribunal supremo firmou uma importante jurisprudência ao dizer que a liberdade de expressão estaria acima da honra. [Fonte]

No Brasil é a mesma coisa. Sem lei.

http://blogdomello.blogspot.com/2011/12/no-mexico-imprensa-pode-difamar-e.html

Isso também:

Jandira Feghali: Taxar 997 milionários levantaria R$ 10 bi para a saúde pública

por Luiz Carlos Azenha
A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados deve apreciar nesta quarta-feira, 7 de dezembro, o parecer da relatora Jandira Feghali (PCdoB-RJ) sobre o Projeto de Lei Complementar 48/11, de autoria do deputado Dr. Aluizio (PV-RJ), que trata da Contribuição Social das Grandes Fortunas.
Um imposto sobre as fortunas está previsto no inciso VII do artigo 153 da Constituição de 1988, nunca regulamentado.
A relatora pretende transformar o imposto em contribuição, permitindo assim que o dinheiro arrecadado seja vinculado a um tipo específico de gasto: o financiamento da saúde pública.
O imposto incidiria sobre 38.095 contribuintes, aqueles que têm patrimônio superior a 4 milhões de reais. As alíquotas teriam variação de 0,40% a 2,1%.
A relatora Jandira Feghali disse que, ao analisar os dados obtidos junto ao Fisco, constatou o tremendo grau de concentração de riqueza no Brasil: pelos cálculos da deputada, a contribuição arrecadaria 10 bilhões de reais taxando apenas os brasileiros com patrimônio superior a 100 milhões de reais, ou seja, 997 pessoas.
Considerando os dados de 2009, a contribuição levantaria 14 bilhões de reais.
“Vamos servir a 200 milhões de brasileiros com uma contribuição de fato em quem concentra patrimônio no Brasil”, diz Jandira.
Ela argumenta que taxar fortunas não é nenhuma novidade. O imposto existe na França para quem tem patrimônio superior a 600 mil euros, segundo ela.
Jandira também lembrou do milionário estadunidense que pediu para ser taxado. Ela se refere ao investidor Warren Buffett. De fato, nos Estados Unidos, existe até mesmo um grupo, chamado Patriotic Millionaires, que lidera uma campanha pela taxação de no mínimo 39,6% para quem tem renda superior a 1 milhão de dólares anuais. Uma pesquisa do Spectrum Group, publicada pelo Wall Street Journal, descobriu que 68% dos milionários entrevistados defendem aumento de imposto para os mais ricos.
A CSGF brasileira não trata de renda, mas de patrimônio acumulado.
Se você tem um Fusca paga 4% do valor em IPVA, mas a posse de um avião particular, de um helicóptero ou iate não é taxada, argumenta a deputada comunista.
Jandira diz que, pelos cálculos do ministro da Saúde Alexandre Padilha, a pasta precisa de um reforço de orçamento de 45 bilhões de reais por ano para dar conta das necessidades do setor. A contribuição dos milionários cobriria uma parte razoável disso.
Fiz duas provocações à deputada: 1)  Os milionários brasileiros têm um poder político considerável e, como disse Garrincha sobre a tática infalível  do técnico Vicente Feola para derrotar os russos, só falta combinar com o adversário; 2)  O argumento clássico dos conservadores é de que, ao taxar os mais ricos, eles perdem o incentivo para produzir as riquezas que, eventualmente, se espalham por toda a sociedade (a famosa economia do trickle-down, do ex-presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan, segundo a qual as migalhas que caem lá de cima acabam nos alimentando).
Para ouvir as respostas, clique abaixo:

Leia também:
http://www.viomundo.com.br/politica/jandira-feghali-taxar-997-milionarios-levantaria-r-10-bi-para-a-saude-publica.html

Leia isso também:

Cinco mil famílias mais ricas do Brasil possuem um patrimônio equivalente a 40% do PIB (e por que está na hora de elas abrirem os cofres)
André Forastieri,em seu blog no R7
jandira forasta As famílias mais ricas do Brasil (e por que está na hora de elas abrirem os cofres)
Deputada Jandira Feghali, do PC do B do Rio de Janeiro, autora do projeto para taxar grandes fortunas.
As cinco mil famílias mais ricas do Brasil possuem um patrimônio equivalente a 40% do PIB do país. Em números de 2010, equivale a R$ 1,65 TRILHÕES de reais. É uma média de R$ 294 milhões por família.
O estudo foi realizado em 2004 pelo economista Márcio Pochmann, atual presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), e atualizado este ano.
É a base para um novo projeto de  taxar grandes fortunas. A proposta é a da deputada Jandira Feghali, do PC do B do Rio de Janeiro. Foi encampada como bandeira pela CUT, que já a apresentou à Dilma Rousseff.
O texto prevê a criação de nove faixas de riqueza em que os contribuintes ficariam obrigados a pagar esta contribuição. Só paga quem tiver patrimônio acima de R$ 4 milhões.
Começa pagando anualmente 0,4% sobre o patrimônio, vai subindo até 2,1% para fortunas de R$ 150 milhões ou mais. Tem muita gente com tanta grana?
Em 2008, eram 997 contribuintes do Imposto de Renda com patrimônio superior a R$ 100 milhões.
Considerando-se que quanto mais dinheiro, mais fácil escondê-lo, fica transparente que muita gente tem dinheiro de sobra no Brasil.
E na velocidade em que estamos criando milionários, a cada dia o bolo aumenta. Está na hora de dividir.
A questão é: vai tirar esse dinheiro dos ricaços para fazer o quê? Para o governo distribuir para outros ricaços, amigos dos amigos? É aí que está o coração do projeto da deputada.
Por que não seria um novo imposto – que vai para o cofre geral do governo – e sim uma contribuição, que tem destino específico. A ideia é que toda a grana arrecadada vá, integralmente, para a Saúde, para o SUS.
Segundo Jandira, a expectativa de arrecadação anual é de quase R$ 14 bilhões.
É muitíssimo mais justo que a CPMF, que para bancar a saúde tirava dinheiro igualmente de bilionários e proletários. Quem tem muito que ajude quem tem pouco. Para mim ainda é pouco.
Porque segundo a Organização Mundial da Saúde, o gasto público do Brasil com saúde é de US$ 385 por ano; a média do mundo é US$ 524 por ano (dados de 2008).
Diferença grande – está explicada a desgraceira na nossa saúde? Está. Um estudo da Dieese conclui que para o Brasil chegar à média mundial (que já não é aquela beleza), teríamos que investir quase R$ 50 bilhões A MAIS por ano.
Isso que dá ter população grande. Uma família que tem R$ 294 milhões de patrimônio pode abrir mão de bem mais que 2,1% disso ao ano. Não é pedir muito – aliás, não é pedir; nos cabe é exigir.


Será a Realidade um Filme Mal Produzido? (Parte 1)

Daniel Boorstin
Com essa postagem iniciamos uma trilogia que discutirá as mutações que historicamente vêm ocorrendo em torno da noção de Realidade. Matéria-prima das notícias, os acontecimentos sempre tiveram o estatuto de fatos reais e o Jornalismo e as Ciências Humanas como áreas do conhecimento que deveriam primar pela objetividade, seja ela profissional ou metodológica. O historiador Daniel Boorstin foi o primeiro pesquisador a questionar isso ao propor a noção de "pseudoevento":  os acontecimentos e as mídias cada vez mais estariam sendo contaminados por estratégias de simulação que, para além de serem simples manipulações, estariam alterando a própria percepção da realidade. 

“(...) a sociologia, a análise econômica, a análise de poder etc. Sem prejuízo do que todas essas veneráveis ciências são capazes, incorrem elas num erro fundamental. Não consideram a possibilidade de que a própria realidade, inclusive toda a sociologia, a ciência econômica etc., possa ser um filme mal produzido.” (GROYS, Boris. “Deuses Escravizados”).

E se considerarmos que a própria realidade, cercada por um ambiente altamente midiatizado pelas tecnologias de comunicação e informação, estivesse se tornando, ela própria, um campo de eventos cada vez mais artificiais? Explicando melhor, e se a própria estrutura dos acontecimentos fosse cada vez mais moldada ou influenciada pela presença massiva dessas tecnologias ao ponto de que os eventos progressivamente se esvaziassem em seu estatuto ontológico, isto é, como fatos fechados em si mesmo, espontâneos, históricos?
O “erro fundamental” a que se refere a citação acima do teórico de mídia e filósofo Boris Groys seria o de que as metodologias das ciências humanas ainda não perceberam esta espécie de paradoxo quântico na relação das mídias diante da própria realidade: o olhar do observador altera o transcorrer dos próprios fenômenos que ele quer observar. E se o social, o político e o econômico tiverem o seu vir-a-ser determinado pela existência das mídias que os observam? Ao Consumir as imagens dos eventos através das mídias ainda as tomamos pela tradicional noção ontológica de realidade, mas, ao contrário, há muito tempo deixaram de serem imagens da realidade para se tornarem cada vez mais representações de representações (simulacros) que tomamos como o próprio real. O que chamamos de realidade já teria se reduzido a uma fina interface gerada pelos códigos midiáticos.
Essa dúvida epistemológica levantada por Groys em relação às ciências sociais de que o próprio objeto de estudos estaria perdendo o status ontológico se insere em toda a discussão dos pós-modernos sobre os conceitos de Simulacro e Simulação e a suspeita de que a realidade é um “constructo” ao melhor estilo “Show de Truman” ou “Matrix”.
Mas muito tempo antes dessas discussões de virada de século, o historiador e crítico social Daniel Boorstin talvez tenha sido o primeiro pesquisador a compreender a maneira como a cultura contemporânea utiliza-se de simulações ou falsas aparências. Em seu livro de 1961 “The Image: A Guide to Pseudo-events in America” ele reconheceu a simulação como uma importante categoria presente em uma série de diferentes fenômenos sociais.
Boorstin afirmou que a América estaria vivendo em uma “era do artifício” na qual a fabricação de ilusões estaria tornando-se uma força social dominante. A vida pública seria dominada por “pseudoeventos” – eventos encenados, verdadeiras contrafações dos acontecimentos reais. Assim como os pseudoeventos haveria também as falsas pessoas – as celebridades – com identidades fabricadas sem nenhuma relação com a realidade subjacente. Até mesmo a indústria do turismo, que outrora oferecia um passaporte para as pessoas viajarem pela realidade, torna agora os viajantes isolados em verdadeiros lugares artificiais habitados por nativos pitorescos em forma de imagem em papel machê, (reproduções estilizadas dos nativos reais) para turistas que esperam ver cenas semelhantes às vistas anteriormente no cinema.

O que é um Pseudoevento?
O que seriam os pseudoeventos? Seriam eventos que se distinguiriam dos eventos reais pela sua natureza falsa ou que tende para o artifício, para a fabricação deliberada para as câmeras de TV, fotografia ou repórteres de mídias impressas.
No Pseudoevento a questão "isso é real?" é
substuída pela "isso é noticiável?"
Os pseudoeventos seriam fatos deliberadamente planejados e roteirizados para serem noticiáveis. Boorstin vê neste domínio das estratégias indiretas das Relações Públicas (estratégias imagéticas ou midiáticas para resolver questões reais) a invasão da simulação na opinião pública. Os leitores e espectadores acreditam estar consumindo acontecimentos “reais” (assim como notícias sobre terremotos ou inundações, ou seja, fatos “criados por Deus”, na expressão de Boorstin), mas, na verdade, consomem encenações que simulam serem fatos espontâneos. Entrevistas, coletivas para a imprensa,Quiz Shows (ou, modernamente, a grande variedade de Realities Showsque invadem a TV), debates políticos na mídia, seminários, congressos ou eventos em geral entrariam nesta categoria proposta por Boorstin.
O pseudoevento teria as seguintes características:
1)      Não é espontâneo pelo fato de alguém tê-lo planejado, plantado na imprensa ou incitado.
2)      Ele é planejado, primeiramente, com o imediato propósito de receber uma cobertura jornalística. Por isto, sua logística (localização, tempo etc.) deve favorecer tecnicamente a reportagem, os links de TV ao vivo e a facilidade de captação de imagens. Para o jornalista a questão “isso é real?” é substituído por “isso é noticiável?” Ou seja, quanto melhor a logística do evento, maior a probabilidade de virar notícia e, portanto, tornar-se “real”.
3)      Sua relação com a realidade subjacente é ambígua. Enquanto diante de um evento real (enchentes, terremotos, desastres aéreos) o interesse é em saber o que aconteceu e as consequências, no pseudoevento o interesse está na ambiguidade das declarações (atos falhos, esquecimentos, declarações “involuntárias”, descontrole emocional etc.). “O que será que isso significa?” “O que está por trás disso?” A ambiguidade dá força a este tipo de evento, dando margem a especulações que o faz progredir geometricamente. Uma simples declaração como “não tenho nada a declarar” já é carregada de ambiguidade e pode transformar-se em notícia.
4) Por isso o pseudoevento tende a tornar-se uma profecia autorrealizadora. É o fenômeno paradoxal onde um artifício pode se realizar como verdade. É também o exemplo de boatos que surgem no mercado financeiro como, por exemplo, dando conta que banco “X” está para quebrar. Tal boato cria uma correria para sacar os ativos do banco vítima do boato. Resultado: o banco acaba de fato quebrando.

Origens dos Pseudoeventos
O motivo histórico para o surgimento dos pseudoeventos na cena pública está no crescimento exponencial da necessidade de um suprimento constante de notícias para preencher colunas de jornais e revistas e minutos da TV e rádio, espaços estes já pagos por anunciantes e que obrigatoriamente devem ser publicados e transmitidos. A demanda crescente por notícias é muito maior do que a capacidade do mundo para produzir fatos novos para as mídias. Isso requer que muitos acontecimentos sejam fabricados para maquiar esta “deficiência” do mundo. Para Boorstin os pseudoeventos surgem a partir desta demanda industrial pela matéria-prima das notícias (os acontecimentos).
“O poder de fazer eventos noticiáveis é, dessa maneira, o poder de fabricar experiências. Isso lembra a resposta dada por Napoleão ao seu general que objetou que as circunstâncias eram desfavoráveis diante da campanha proposta. “Bah! Eu faço as circunstâncias.”[1]
As chamadas “estratégias indiretas” das relações públicas vão de encontro a essa necessidade das mídias. De ambos os lados há uma relação promíscua entre jornalista e a fonte da notícia onde diferentes interesses acabam se convergindo: de um lado os profissionais de relações públicas (ou, modernamente, o assessor de imprensa) querendo transformar seu cliente em notícia e, de outro, a mídia, ávida pela matéria-prima das notícias.
A demanda por notícias é muito maior 
do que a capacidade da realidade 
em criar acontecimentos
Nos EUA a Guerra Civil e o conflito EUA/Espanha, ambos no século XIX, estimularam a mídia a procurar a cobertura cada vez mais atualizada e imediata (hoje diríamos “on line” ou “tempo real”). Além disso, a competição entre os gigantes proprietários das mídias como Joseph Pulitzer, William Hearst e Gordon Bennett ampliou a corrida por notícias e exponencialmente a circulação de revistas e jornais. Paralelo a este crescimento ocorria uma revolução silenciosa, a revolução gráfica: o crescimento vertiginoso da capacidade humana de produzir, preservar, transmitir e disseminar imagens de pessoas, lugares e eventos. Para Boorstin, estes dois fatores (o crescimento industrial e competitivo das mídias e a revolução gráfica) fazem o fluxo da irrealidade invadir a esfera pública. De um lado, o poder tecnológico e econômico da mídia levou à tentação de fabricar acontecimentos. Por outro, a invasão das imagens altera a sensibilidade dos indivíduos ao ponto em que ficção e realidade, eventos artificiais e espontâneos misturam-se.
“Verossimilhança passou a ter um novo significado. Não apenas foi possível dar a uma nação inteira uma inesperada intimidade da voz e gestos de Franklin Roosevelt. Imagens vívidas vieram se sobrepor à pálida realidade. Cinema em cores levou uma geração inteira de espectadores americanos a pensar que Benjamin Disraeli foi um dos primeiros imitadores de George Arliss, assim como a televisão levou uma geração inteira de telespectadores a ver o cowboy do faroeste como uma réplica inferior de John Wayne. O Grand Canyon torna-se uma desapontadora reprodução  de uma foto Kodak original.”[2]

Pseudoevento: confusão entre ficção e realidade
Se a profusão de imagens (sejam ficcionais ou não) inunda a consciência dos indivíduos, é cada vez mais fácil confundir a réplica com o original, a realidade com a imagem feita da própria realidade. Isso lembra o conceito de hiper-realidade tal qual descrito por Baudrillard: o momento de inversão da consciência onde a contrafação do real torna-se mais importante que o próprio real. Isso fica claro no caso das notícias que envolvem as chamadas celebridades e acontecimentos que envolvem os políticos. Pessoas célebres (sejam artistas, médicos etc.) são consumidas como notícias espontâneas, ou seja, como fossem pessoas que se destacassem por qualidades especiais ou obras ou projetos de relevância publica. Mas, cada vez mais, a celebridade atual é um pseudoevento: produto de estratégias de relações públicas e assessorias de imprensa para fabricar eventos que atraiam a atenção de fotógrafos e repórteres, lutam para manterem-se em evidência. Boatos, fofocas, declarações ambíguas, brigas, separações e especulações em geral são meticulosamente criados e plantados nas redações de jornais, TV e rádios.
Com os fatos políticos não é muito diferente. Entrevistas, convenções, debates na TV, coletivas para a imprensa são oportunidades para criar os chamados “balões de ensaio”. Políticos fazem, de forma estudada, declarações que passam por revelações ou projetos bombásticos. Eles sabem que estes projetos são impossíveis de serem realizados. Seu objetivo é criar repercussão, polêmicas para ocupar espaço em telejornais e colunas de comentaristas políticos. Tanto as celebridades como os políticos são capazes de criar eventos e personagens dramáticos que parecem seguir roteiros ficcionais de telenovelas: suspense, traições, sacrifícios etc. Isso cria um fenômeno paradoxal: espectadores e leitores consomem pseudoeventos como notícias reais porque possuem uma linguagem ficcional. Qual nome o partido lançará como candidato a governador? O suspense é artificialmente mantido, declarações contraditórias são plantadas na imprensa.
Um exemplode pseudoeventos: "vazamentos"
originados de "diálogos informais"
Um bom exemplo são os pretensos “vazamentos” de informações. Em ambientes logisticamente favoráveis para a cobertura televisiva (coletivas, mesas redondas, congressos etc.) surgem “inesperados” vazamentos de informações por meio de microfones abertos que captam confissões ou diálogos “informais”. Esses supostos vazamentos de informações são pseudoeventos perfeitos para, a partir deles, notícias serem veiculadas que alimentam boatos, especulações que serão fontes de matérias, colunas e editoriais. É o caso recente do Encontro de Cúpula do G8 (sete países mais industrializados do mundo e a Rússia) realizado na Escócia. Diante de um microfone aberto, o presidente dos EUA George Bush fala “shit” (merda) num diálogo informal com o primeiro ministro da Inglaterra Tony Blair. Ao mesmo tempo, veículos de comunicação brasileiros transcrevem diálogos entre Blair e Bush que “vazaram” através de sites como CNN, BBC e do jornal “The Independent”. No diálogo, ambos referem-se continuamente a um sujeito não definido (“Ele”) que estaria entravando as negociações. Quem seria este “Ele”? Seria o presidente brasileiro Lula? Ou o líder russo Vladimir Putin? Tal forma de pseudoevento alimenta a mídia ávida por matéria-prima que renda alguma manchete já que tais encontros nada de novo acrescentam à ordem política e econômica internacional.
Se o pseudoevento parece ser mais atraente do que os acontecimentos espontâneos por possuir uma linguagem ficcional, diante de um evento real imprevisível e autêntico a reação das pessoas passa a ser de dúvida quanto a sua veracidade. Esse fenômeno paradoxal foi acompanhado com o atentado ao World Trade Center em Nova York em 2001. Diante dos aviões colidindo com as torres gêmeas, as explosões e o desmoronamento final a incredulidade era generalizada: “Isso só pode ser filmagem de mais um filme-catástrofe de Hollywood! Isso não poder ser real!”


Concluindo, para Boorstin os pseudoeventos cada vez mais se sobrepõem aos eventos reais pelos seguintes motivos:

1) Os pseudoeventos são mais dramáticos o que agrada tanto a mídia quanto o público. Um debate entre candidatos na TV, por ser planejado, tem mais suspense do que um encontro casual.

2) Os pseudoeventos são planejados para serem disseminados mais facilmente. Sua natureza ambígua e os seus personagens escolhidos por serem “midiáticos”.

3)      Os pseudoeventos podem ser repetidos à vontade. Toda a sua logística (releases, “kit imprensa” com fotos e matérias prontas para consumo pelos jornalistas) favorece a disseminação.

4) Os pseudoeventos são planejados para serem inteligíveis, mesmo tratando-se de assuntos complexos para o espectador ou jornalistas. Se não temos informações para discutir de forma fundamentada as qualificações dos candidatos e suas propostas mais técnicas, pelo menos podemos julgá-los pelas suas performances televisivas. Por isso, tornam-se personagens estereotipados tal quais tipos ficcionais (o “agitador”, o “astuto”, o “sincero”, o “traiçoeiro” etc.) para uma maior inteligibilidade do roteiro.

5)  Os pseudoeventos são mais “amigáveis” por serem mais convenientes de serem testemunhados. Ao contrário dos eventos espontâneos, os pseudoeventos ocorrem em horários, dias e locais mais facilmente cobertos pela mídia.

Link para o post "Como interesses empresariais limitam a arte"


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