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26 de novembro de 2014

Totalitarismo, autoritarismo e o renascimento da História na Alemanha e no Brasil


Hoje uma amiga alemã, que nasceu durante a guerra e perdeu os pais no conflito, postou no Facebook uma matéria sobre uma manifestação nazista em Dresden contra a invasão da Europa por imigrantes e islâmicos.
Irritada, ela disse que estava com ânsia de vômito. A atitude dela me fez refletir sobre a realidade em nossos países.
Alemanha e Brasil são países democráticos e, no entanto, muito diferentes. Os alemães estão mais distantes do nazismo do que nós estamos do autoritarismo militar. Após a guerra a Alemanha condenou vários criminosos de guerra nazistas que não foram processados em Nuremberg pelos Aliados. O Brasil não puniu um só militar ou policial que torturou e executou prisioneiros que eram dissidentes do regime. Com apoio da elite, a economia alemã foi reconstruída de maneira a incluir os cidadãos nos frutos do desenvolvimento econômico. A economia brasileira patinou na exclusão social durante décadas e somente agora começa a proporcionar um pouco de conforto para os excluídos e, mesmo assim, sem o apoio da elite.
Após o final da Guerra, a Alemanha teve um estadista capaz de se ajoelhar diante do monumento das vítimas do nazismo na Polônia. Nenhum general brasileiro teve a honra e a generosidade necessárias para se ajoelhar diante do túmulo de Vladimir Herzog ou de qualquer outro inocente morto nos porões do DOPS. A União Européia é fruto do Mercado Comum idealizado por governantes alemães e franceses para reaproximar dois países que haviam lutado duas guerras inúteis e dolorosas. O MERCOSUL, organismo frágil que une o Brasil aos seus antigos rivais latino-americanos, seria destruído de Aécio Neves tivesse ganhado a última eleição presidencial.
A democracia alemã é bem sucedida e, no entanto, tem que lidar com grupelhos nazistas cada vez maiores e mais ativos. O desafio à democracia brasileira neste momento é sobreviver aos restolhos do passado que exigem nas ruas um golpe militar. O abismo que existe entre minha amiga alemã e seus compatriotas é, portanto, semelhante ao que está sendo aberto pela mídia entre Dilma Rousseff e os jovens que vão às ruas exigir o retorno da Ditadura Militar. Nos dois países os governantes devem estar perguntando basicamente a mesma: onde nós erramos? A pergunta que eu faço, porém, é um pouco diferente. Houve mesmo um erro governamental?
Pouco posso dizer sobre a realidade alemã, mas tenho certeza de que a realidade brasileira prova que o Brasil está no caminho certo. Há mais de duas décadas o nosso país se esforça para desdobrar o Estado de Direito em todo seu território, expulsando os demônios do passado autoritário inclusive de dentro das estruturas policiais. A inclusão social é um item importante na pauta pública. Isto não é um erro. É um acerto compartilhado pelos governos Dilma, Lula e, em menor proporção, FHC. Sarney deu o  ponta-pé inicial para a criação do MERCOSUL e merece ser louvado em razão deste acerto. A estabilidade monetária foi conquistada no governo Itamar Franco, cujas virtudes tem sido esquecidas em razão da mídia atribuir injustamente a FHC a paternidade do Plano Real.
Se os acertos são tantos, o que justifica a existência destes grupos de jovens que vão às ruas para exigir um golpe de estado? Nada. O problema brasileiro talvez seja semelhante ao que aflige a Alemanha e faz minha amiga alemã ter vontade de vomitar. Lá e cá os jovens cresceram levando vidas tranqüilas e confortáveis. Os neonazistas alemães não conheceram os horrores da guerra, nem as carências do pós-guerra. Os neofascistas brasileiros nunca foram reprimidos com rigor nas ruas, nem tampouco passaram fome como os nordestinos passaram na década de 1960 e 1970. O ódio que uns sentem pelos estrangeiros e islâmicos e os outros sentem pelos nordestinos é fruto mais da ignorância do que de seu amor à pureza racial ou à higiene social.
Os jovens nazistas alemães e os fascistas brasileiros não aprenderam sua ideologia com os velhos nazistas e fascistas europeus. De fato eles não aprenderam nada. Eles não tem história e este é o verdadeiro problema que os separa dos seus governantes.  O vazio histórico destes restolhos do totalitarismo e do autoritarismo é um fato e pode se transformar numa tragédia caso estes jovens resolvam usar a violência para impor sua vontade aos alemães e brasileiros. Eles não causam temor ao Estado, que tem homens treinados e armados para lidar com terroristas. É óbvio, porém que devemos temer por eles, pois o mal que eles podem sofrer é bem pior do que aquele que eles podem causar. 

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